Ana Teresa Almeida | C13
AICEP Berlim
Alemanha
A minha cidade-estágio, Berlim, acordou do pós-Guerra, esvaziada das pessoas que nos anos 20 e 30 a habitavam e que participavam da experiência da “cidade da música e do teatro", como então era conhecida. Iniciado o processo de reconstrução, levou tantos anos que ainda hoje é visível.
Sentem-se presentes as gruas que povoam a cidade, e os terrenos esventrados no meio de qualquer avenida, onde em breve surgirá mais um edifício assinado por um arquitecto premiado.
Partida em duas, continuou numa aparente latência até à queda do muro numa noite de 1989, quando a liberdade de movimentos trouxe outras liberdades que se reflectiram imediatamente no panorama cultural da cidade.
Hoje, em Berlim, a cultura faz-se planeada - nos museus e óperas, nos eventos produzidos. São propostos diariamente, na cidade do teatro e das orquestras, uma selecção de espectáculos que vai desde a ópera clássica e bailado aos teatros musicais, espectáculos de variedades e inúmeras revistas, que procuram distrair o espectador com todas as suas variantes.
Mas também se faz no dia e no momento. Esta é a cidade do espontâneo, talhada para aqueles que gostam de andar por onde o acaso os levar. É que em Berlim, o tempo, que no passado se viu abruptamente parado, a passar lento pelo sofrimento, é hoje particularmente impetuoso. Vive de ritmos que só uma população muito jovem e vinda de todos os países do mundo consegue imprimir.
Quem chega a Berlim cedo se apercebe que nas suas relações, muitos são Artistas, criativos. Chegam de todo o lado, porque dizem “Berlim é a cidade, onde se faz a Arte”. No fundo querem dizer que é aqui que os olhos se abrem à sua arte, ainda de assinatura incógnita, quando o nome ainda não faz memória. É aqui que os edifícios nunca recuperados depois da guerra, se inundam de pintores, escultores e artistas plásticos, que invadem salas e os transformam simultaneamente em atelier e galeria, naquilo que considero ser um misto de espontaneidade cerebral e anarquia com regras... provocado mas sincero.
Esta onda artística recuperada (tal como a cidade), junta todas as influências mais originais dos lugares-comuns que unem os que aqui comunicam. No instante em que aqui estamos, esses destinos longínquos que inspiram os artistas unem-se e Berlim absorve e interpreta sem se comprometer.
É esta a atracção exercida por esta cidade, que faz com que, quem a ela acorra, não deseje tão-só habitá-la; é preciso encontrar nela o canto certo e por isso há uma escolha que se impõe desde o primeiro momento: o bairro.
Os recém chegados procuram a sua identidade numa cidade em que essa qualidade parece faltar; digo que falta identidade a Berlim pela suprema dimensão de diferença, pela incomparável diversidade que aqui se encontra, porque é impossível presumir que Ela seja de uma maneira e não de outra.
São várias as áreas que se desenham no mapa do centro da cidade, que não correspondem em dimensão aos nossos bairros por serem bem maiores. Mas há duas que podiam definitivamente ocupar um par de dias de turismo, prometendo deixar lembranças bem mais longas: Prenzlauer Berg e Kreuzberg. A primeira é uma animada zona de ruas limpas, casas coloridas com floreiras nas varandas, galerias, lojas de design, habitada por férteis casais jovens que fazem com que este seja considerado o bairro com a mais alta taxa de natalidade da Europa.
Já Kreuzberg é o oposto, é um mito, habitado por punks e activistas de esquerda, imigrantes turcos, e artistas em busca de inspiração e rendas baratas. Passear nas ruas de Kreuzberg é como mergulhar na Turquia, sem sair da Alemanha.
Numa visita que se pretenda diferente daquilo que vem nos guias, considero que Berlim tem muito a oferecer, e o mais simples, que se vende de graça a quem a visita, nas ruas que a atravessam e nas pessoas que a habitam, nestes especiais bairros do centro da cidade. Basta procurar.