Skip to main content
   
   
Go Search
Extranet InovContacto
  

Extranet InovContacto > Visão Contacto > Posts > A bravura dos inocentes ou a realidade das crianças desacompanhadas na Grécia
A bravura dos inocentes ou a realidade das crianças desacompanhadas na Grécia

Joana Vaz | C23 | ETPOA | Atenas, Grécia

Unicef crianças refugiadas na Grécia

De acordo com as estatísticas da UNICEF, e ao contrário de outros países como a Itália, Bulgária e Espanha, a maioria dos refugiados e imigrantes que chegaram à Grécia em 2018 eram crianças (UNICEF, 2018).

A 31 de dezembro de 2018, cerca de 27.000 crianças imigrantes ou refugiadas estavam a viver na Grécia, sendo que, 14% das crianças que chegaram ao longo do ano de 2018 estavam desacompanhadas. Quando falamos em crianças desacompanhadas, estamos a falar de crianças que chegam ao país de acolhimento sem estar acompanhadas por um familiar adulto. Algumas iniciaram as viagens sozinhas, outras perderam os pais ou outros familiares durante a viagem, seja por estes familiares terem falecido no caminho, seja por se terem perdido deles na confusão das viagens organizadas por traficantes (a quem pagam para os ajudar a chegar à Europa) e não fazem ideia de onde se encontram.

Os refugiados e requerentes de asilo, em geral, e as crianças desacompanhadas, em particular, são grupos da sociedade especialmente vulneráveis. Viveram momentos de desespero e terror decorrentes de viagens potencialmente fatais. Para além disso, têm que lidar com os obstáculos colocados quer pelas condições sócio económicas do país de acolhimento, quer por um medo generalizado em relação aos fluxos de imigração na Europa, que se traduz, muitas vezes, em atitudes discriminatórias.

As ONG têm tido um papel de grande relevo, não só a providenciar alívio imediato (alojamento, alimentação e vestuário) a estas crianças, como também no apoio à sua integração, estando ativamente envolvidas na conceção de soluções de longo prazo.

Até aos 18 anos as crianças podem ficar nos centros de acolhimento. A partir desta idade passam a ser tratadas como adultas. Como resultado dos atrasos no acesso à educação e alojamento mais permanente, os menores desacompanhados quando  se aproximam da idade adulta sentem-se pressionados, sabendo que as oportunidades e serviços desejadas não estarão disponíveis assim que atingirem a maioridade. Por essa razão, muitos  arriscam deslocar-se sozinhos para outros países da União Europeia onde possam ter melhores oportunidades de emprego.

É importante lembrar que a crise financeira de 2008/2009 expôs de forma profunda as vulnerabilidades económicas da Grécia que é, atualmente, o país da União Europeia com mais alta taxa de desemprego. Um país arrasado por duas crises em simultâneo (a económica e a de imigração) e constantemente acusado de fazer uma má gestão das fronteiras externas da União Europeia, por permitir a entrada de milhares de imigrantes. Mas, o dever de resgatar pessoas em perigo no mar é, para além de uma obrigação moral de cariz humanitário, uma obrigação legal presente no Artigo 98º da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar. Para além de que o Princípio da Não Repulsão, Princípio jus cogens do Direito Internacional, proíbe a expulsão de uma pessoa para um território que constitua uma ameaça à sua vida.

A Grécia não pode, portanto, ser acusada de “permitir” a entrada de milhares de imigrantes  porque, para além da responsabilização civil e criminal pela não assistência a pessoas em sofrimento, o respeito pelas normas internacionais é parte integrante do código de valores comuns no espaço comunitário. As fronteiras externas da Grécia são, de facto, as fronteiras externas da União Europeia e, como tal, a responsabilidade por estas vidas deve ser uma responsabilidade partilhada.

Consciente dessa responsabilidade, à minha chegada a Atenas comecei a fazer voluntariado com a ONG Faros, utilizando os conhecimentos e a minha rede de contactos para os auxiliar na identificação de modelos de integração de longo prazo, nomeadamente no que toca a qualificações e emprego futuro. Colaborei com esta ONG na elaboração de um estudo, cujo objetivo era providenciar informação sobre as oportunidades de emprego, por ocupação e competências, em vários setores económicos. Desta forma, a ONG Faros pode ajustar a provisão e desenvolvimento de atividades de formação ao mercado de trabalho grego a setores económicos estratégicos e, assim, aumentar a empregabilidade futura destas crianças.

Não esquecer que estes jovens são pequenos grandes heróis de uma bravura e coragem inigualáveis, que cometeram o crime único de atravessar uma linha imaginária - fronteira - com o propósito de fugir à guerra e a miséria. Uma linha que divide seres humanos em categorias (cidadão, não cidadão, imigrante, nativo, refugiado, não refugiado, legal, ilegal, etc.) e lhes captura a esperança. Não queremos baixar os nossos padrões de vida. Contudo, nem os fins podem justificar os meios, nem podem ser estes os valores representativos de uma União de países também eles feridos pela Guerra.

Acredito que daqui a alguns uns anos o mundo vai olhar para estas atrocidades com o mesmo olhar de reprovação com que vê a barbárie cometida durante a Segunda Guerra Mundial. Quanto a mim, esteja onde estiver, vou poder olhar para trás sabendo que escolhi estar no lugar certo da História.

 

Share on Facebook
Created By: Joana Inês dos Santos Vaz
Published: 26-08-2019 16:12

Comments

There are no comments yet for this post.

 ‭(Hidden)‬ Content Editor Web Part ‭[2]‬

Visão Contacto