Reflexões em Delft
Ao sobrevoar os Países Baixos, após a cerimónia do INOV Contacto que associou o meu nome ao destino Delft, reparei imediatamente no vasto mar de estufas refletindo a luz desse dia ensolarado de fevereiro. Mais tarde, no comboio, atravessei vastas pastagens e plantações. A típica paisagem plana do país estendendo-se em todas as direções.
Esta imagem inicial contrariava as minhas pesquisas rápidas dos dias anteriores. A Holanda aparecia como o país mais densamente povoado da Europa, com 17 milhões de habitantes e uma área inferior à de Portugal. A movimentada zona metropolitana de Randstad abrange o Porto de Roterdão, o maior porto marítimo da Europa, e o Aeroporto de Amesterdão, terceiro maior aeroporto europeu.
Por outro lado, devolvia um pouco de credibilidade à minha vaga memória de um artigo que colocava os Países Baixos como o segundo maior exportador mundial de produtos alimentares. Resultado notável do mar de estufas e vastas pastagens.
Neste momento, depois de vários meses a estagiar e deambular por este país, o seu aparente paradoxo tornou-se mais claro. A população urbana, mais de 90% da população total, aglomera-se nos principais centros económicos e respetivos subúrbios. Estes estão intercalados por zonas industriais e rurais largamente desabitadas.
Dentro do anel de cidades do Randstad encontra-se o Groene Hart, coração verde e agrícola da Holanda, onde me deslocava nesse primeiro dia de estágio no estrangeiro, num misto de excitação e ansiedade.
Figura 1 – Pastagens em Groene Hart
Os pequenos elementos de ruralidade no quotidiano citadino são bastante apreciados pela população. Os moinhos tradicionais, marcos históricos das cidades holandesas, rodam bucolicamente sobre moradores e turistas. De todos os sentidos surgem bicicletas, num caos ostensivo, mas sem acidentes.
Os canais estruturam a paisagem, repletos de pequenos barcos, aves e, nos raros dias de calor, pessoas. Semanalmente, os mercados invadem as ruas, trazendo vegetais, frutas, queijos e tulipas ao centro histórico. Os jardins periféricos fornecem um espaço para convívio, desporto e afastamento da agitada vida moderna.
Figura 2 – Moinhos em Schiedem
No entanto, estes postais rústicos não inibem o desejo de êxodo urbano que se vive nos Países Baixos e noutros países desenvolvidos. A procura de melhor qualidade de vida leva os habitantes a movimentarem-se do centro para os subúrbios e, existindo possibilidade financeira, para as zonas rurais.
Esta nova população semi-rural cria os seus próprios negócios, muitas vezes sob a forma de start-ups agrícolas, com processos altamente especializados. As necessidades biológicas das diversas espécies são analisadas em detalhe, são selecionadas as melhores estirpes e cada parâmetro ambiental é exaustivamente controlado, de forma a garantir o maior nível de produção. Tal permite, a um país pequeno e superpovoado, exportar excedentes alimentares que rivalizam com os gerados pelos Estados Unidos da América.
Este novo tipo de agricultura, baseado em tecnologia e conhecimento, pode representar parte da solução para alimentar a crescente população mundial.
Figura 3 – Estufas em Roterdão
Neste inesperado equilíbrio holandês, entre urbano e rural, existe pouco espaço para a natureza. Antes da atividade antropogénica, um quinto do território encontrava-se sob a água; por causa da atividade antropogénica, parte poderá retornar ao fundo de lagos e mares. A expansão urbana, os novos conceitos de agricultura industrial e o aumento da população também ameaçam a sustentabilidade dos Países Baixos.