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Globalização: uniformização ou diferenciação na arquitetura em Macau

Pedro Meneses | C20 | KPM Macau | Macau, China

Apesar das “ideias” e tendências nunca terem estado confinadas a fronteiras territoriais, a sua dispersão no passado era limitada pela lentidão com que se viajava e se propagava a informação. Desta forma, as “modas” e as correntes artísticas eram geralmente adaptadas às tradições regionais existentes, sendo o resultado uma variedade regional marcada pelos hábitos locais.

Durante o último século, novas tecnologias de construção e comunicação reduziram consideravelmente as possibilidades destas adaptações regionais.

Este processo de globalização está patente na arquitetura e no urbanismo das cidades sendo o resultado o brotar, em quase toda a parte, de novos trechos de cidades praticamente idênticos, deixando para trás diferenças nacionais ou locais. Este desenvolvimento das tecnologias de construção e comunicação permitiu uma fácil difusão dos modelos, e trouxe para a cidade os sinais de uma crescente "paisagem global", e que pode ser classificada por quatro elementos - simplificação (traduzível por um leque restrito de componentes), redução (eliminação do específico ou "típico"), padronização (referida a um modelo, recetível), e deslocalização (indiferentes ao contexto físico, virtuais) (BRANDÃO, 2006).

Por outro lado a mobilidade crescente de indivíduos, bens e capitais que vieram com a globalização, para além de originarem a implementação de lógicas que implicam a desvalorização dos traços tradicionais das cidades, trouxeram também consigo exigências de competitividade e o estímulo pela diferenciação, na medida em que este aumenta a concorrência urbana. Esta ideia remete-nos para um outro conceito que está hoje bastante inerente ao desenvolvimento das cidades - a atratividade.

Cada vez mais as cidades procuram diferenciar-se umas das outras através de elementos atrativos e processos de promoção, como seja a criação de uma marca. Confrontadas com exigências cada vez maiores e com múltiplas formas de concorrência, as cidades procuram oferecer uma qualidade superior, ou pelo menos equivalente, àquela que é oferecida noutras cidades, recorrendo a elementos que sejam capazes de atrair os diversos atores. Nesse sentido, as políticas urbanas procuram desenhar cidades capazes de oferecer um mercado de trabalho vasto e diversificado, assim como serviços de alto nível, um grande número de equipamentos e de infra estruturas e boas ligações internacionais.

No contexto asiático, três exemplos disso são as cidades de Hong Kong, Singapura e Macau, sendo que neste último, os elementos diferenciadores e atrativos estão associados aos novos grandes empreendimentos – os casinos.

Temos então os skylines urbanos como instrumentos para aumentar o prestígio e a capacidade da cidade ser desejada, uma identidade afirmada como forma de publicidade, da cultura global, de consumo urbano em que o espaço e a própria cidade se definem numa imagem espetacular. Quando o espaço público deixa de ser realidade cultural e se transforma em produto transacionável (o que “vende”), derivado de uma suposta diferenciação competitiva, existe uma redução da sua própria identidade (BRANDÃO, 2008).

A condução destes processos é na sua generalidade da responsabilidade do Estado, que procura muitas vezes conjugar essas "obrigações" com a realização de eventos de dimensão nacional e supranacional (como sejam as exposições mundiais, os campeonatos europeus de futebol, as capitais europeias da cultura, etc.) ou tendências de desenho de espaço público que procuram “modernizar” as cidades.

A actual Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) é um excelente exemplo onde as políticas administrativas reduziram a sua matriz identitária no que diz respeito à arquitetura tradicional. Macau, desde a sua entrega à China em 1999, vive um período de prosperidade económica em grande escala, um autêntico boom a nível internacional, onde graves problemas urbanos surgiram.

O território de Macau faz-se da conjugação de revoluções culturais de diferentes períodos, onde à simbiose luso-chinesa se juntou o estilo de Las Vegas. Os resultados desta “importação” são de uma tal dimensão, que fez com que Macau se desenvolva em função da indústria dos casinos. Desta nova “indústria” resulta uma competição descontrolada entre as concessionárias dos casinos e que, na vertente da arquitetura, se traduz em edifícios icónicos que desprezam qualquer preexistência, história e identidade regional, afetando as dinâmicas urbanas do quotidiano.

Desta forma, estes edifícios erguem-se imponentemente nas ruas como peças extravagantes e singulares. Os casinos de Macau são, efetivamente, para o bem e para o mal, parte preponderante da nova definição identitária urbana da cidade.

Em Macau, os casinos exercem o seu poder sobre a cidade, porque se fazem de uma escala absurda relativamente à pré-existência, porque se aproveitam, de um modo geral, de uma localização importante e ou estratégica e porque usufruem de uma figura expressiva e espetacular. Esta importação do conceito de Las Vegas, sem consciência da escala ou da história da cidade de Macau, é o perfeito exemplo de que a “standardização” da arquitetura provoca uma diferenciação na imagem urbana da cidade. Se a “colagem” dos extravagantes casinos altera a paisagem de Macau, e se essas formas arquitetónicas se fazem para uma nova escala (mais ampla do que a do pequeno e antigo território macaense), então as dinâmicas urbanas são também perturbadas, sendo que estas transformações afetam, mesmo que indiretamente, os seus habitantes.

Como português e arquiteto, impressiona-me como estes colossais empreendimentos de jogo despoletam mais a curiosidade dos turistas do que o centro histórico macaense “à portuguesa”. Por outro lado, é constrangedor que réplicas de outros edifícios (ou lugares) comovam o turista chinês como se dos verdadeiros se tratassem. O Casino Venetian, que tenta reproduzir a atmosfera da cidade de Veneza, ou o Casino Parisian (a inaugurar no próximo mês de Setembro) que incorpora uma réplica em escala reduzida da Torre Eiffel, são, na minha opinião, dois dos principais exemplos de como a importação de estilos ou “imagens urbanas” danificam a identidade regional de uma cidade.

Percorrer as ruas de Macau exige um esforço para compreender as diferentes layers de culturas, arquiteturas e imagens. Estas parecem estar sobrepostas, mas percebe-se que a cidade se divide por zonas cuja arquitetura define as suas vivências sociais: nas ruas de prédios carregados de “gaiolas” e caixas de ar condicionado, onde todo o espaço é reduzido ao limite, habita-se; nas ruas estreitas que se enchem de letreiros luminosos e o piso térreo está aberto, sobrecarregados de montras com produtos, vende-se. Nas ruas de edifícios icónicos trabalha-se, visita-se, fazem-se compras e, joga-se...

Acredito que a paisagem urbana de Macau, as pressões da densidade urbana devidas à exiguidade do território e ao acelerado ritmo de desenvolvimento urbano associados a uma cultura local altamente pragmática e a um compromisso entre o Governo e os interesses privados na produção rápida de conteúdos urbanos, são alguns dos fatores que levaram (e levam) a que em Macau haja uma concentração de uma arquitetura “standardizada”, arquitetura espetáculo, estilos estes bastantes diferentes dos elaborados em Portugal.

Por outro lado, é importante realçar que a ausência de políticas públicas e de recursos na reabilitação põe em risco o património, a identidade urbana do presente e desvanece as memórias do passado.

As novas obras de arquitetura na cidade de Macau, deveriam, portanto, representar elementos de ligação entre o passado e os tão desejados vestígios de grandeza, subjacentes a esta frenética economia do jogo.

Bibliografia:

BRANDÃO, Pedro (2002) O Chão da Cidade – Guia de Avaliação do Design do Espaço Público. Lisboa; Centro Português do Design

BRANDÃO, Pedro (2008) A identidade dos lugares e a sua representação coletiva. Lisboa; DGOTDU

Created By: Pedro Regalo da Fonseca Teles de Meneses
Published: 16-01-2017 15:24

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