Vivo sozinha num estúdio de 15m2 e uma única janela, numa rua que antes da pandemia era das mais agitadas de Paris (vá, uma espécie de Bairro Alto). De um dia para o outro parámos, tanto eu como a rua.
Da cozinha à sala/quarto caminho no máximo cerca de 2 metros e da minha janela, de onde antes via jovens a rirem-se nos bares e a conversarem na praça (tantos que mal conseguia entrar no meu prédio), agora vejo poucas pessoas a passar e todas com as suas compras ou roupa de desporto e o atestado que se tornou necessário para justificar as saídas de casa. Só se pode sair pelas necessidades previstas no decreto de luta contra a propagação do COVID-19 e a falta de justificação dá multa, assim como tentar encontrar-se com conhecidos. Estas necessidades são compras de bens de primeira necessidade, desporto não coletivo, ajuda a pessoas vulneráveis e o trabalho que não puder ser feito virtualmente.
No meu caso o trabalho é pouco e os servidores encontram-se meio sobrecarregados, mas conhecendo já bem a casa para que trabalho devido à minha experiência anterior, sei que é normal haver períodos de excesso de trabalho (como o que eu estava a ter antes) seguidos de períodos de extrema escassez sem haver um meio termo, pelo que não acho que o COVID-19 tenha mudado muito o ritmo geral. Para mim, é a combinação de estar parada (literalmente sem me mexer mais de 2m seguidos) e ao mesmo tempo com pouco que fazer que torna o isolamento mais pesado.
Que tenho feito para o enfrentar? Tenho ido, dia sim, dia não, buscar uma baguette (que transporto debaixo do braço, à francesa) assim como o que me fizer falta no momento (normalmente, um camembert também). Isso faz-me sentir integrada apesar das circunstâncias bizarras que vivemos e permite-me movimentar para além dos meus 15m2.
Vera Antunes a fotografar um dos muitos restaurantes encerrados em Paris, mas que apesar disso continua a pôr a mesa.
Tenho tocado ukulele, às vezes à janela para animar quem passa e os vizinhos, que encontro todos os dias as 20h para bater palmas aos funcionários da saúde. Tenho montado e desmontado um puzzle de madeira repetidamente que me ajuda a exercitar o cérebro e estudado francês tanto através da leitura de notícias como de séries de televisão na língua. Com amigos em isolamento espalhados pelo mundo tenho partilhado experiências, feito encontros skype e tentado manter a vertente cómica das nossas vidas através de memes.
Tive sorte, porque o dia em que fechou tudo foi o dia em que me puseram wifi em casa, uma rede mais forte que a outra, que prontamente renomeei com humor (um bocado negro).
Vera Antunes reenomeou a sua rede wifi para Cowifid-19
Acho que o que me mantém positiva apesar de estar parada, sozinha, numa casa meio claustrofóbica e com pouco que fazer é acima de tudo estar a encarar este infortúnio excecional como parte da experiência geral do estágio - aconteceu aos C24, mas podia ter acontecido a qualquer outro C.
No final de contas, adaptar-nos a estas circunstâncias não é muito diferente de adaptar-nos a outras culturas, embora esta “cultura” em particular tenha sabor a incerteza e careça de liberdade.