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O que aprendi com o povo Marroquino

Diogo Azevedo | C23 | Vibeiras, S.A. | Casablanca, Marrocos

Eram 3 da tarde do dia 22 de fevereiro dentro daquele auditório. As mãos suadas e o nervoso miudinho começavam a tomar conta de mim e à minha volta registavam-se as primeiras reações. Não sabia o que me aguardava e as minhas expetativas estavam reduzidas: “Quero ir para longe, viver numa grande metrópole” pensava eu. “Tudo menos Espanha” temia eu e outros tantos. À medida que os destinos dos restantes participantes do INOV Contacto C23 eram anunciados, as minhas preocupações dissipavam-se, confrontado com as lágrimas de excitação que escorriam à minha volta. Depois do que me pareceram 6 horas de ansiedade, chegou a vez do último slide. O meu nome, o do David e o do João apareceram no ecrã e, de seguida, o nosso destino: Marrocos.

Tirando Espanha, mais próximo não podia ser vindo parar e, ao mesmo tempo, tão longe. As minhas expetativas geográficas não foram concretizadas e ainda bem. Inscrevi-me neste programa porque procurava expandir os meus horizontes, ser confrontado com culturas, línguas e religiões diferentes, aprender, crescer e acima de tudo ser desafiado. Na altura não conseguia perceber que "a mecânica divina", que é o processo de matching do INOV Contacto, estava a testar-me e eu não tinha outra hipótese senão aceitar o desafio.

Mesquita Hassan II, Casablanca

Mesquita Hassan II, Casablanca

Islamismo: o que eu não sabia

Aterrei em Casablanca - capital financeira do país baptizada por portugueses, selva de betão à beira-mar, porto de abrigo de mais de 3 milhões de pessoas, e a minha casa (coincidentemente, também ela branca) nos 6 meses seguintes. Logo surgiu o meu primeiro choque cultural. À beira da estrada estavam alguns carros estacionados, não para ver as vistas, mas para rezar na direção de Meca. A minha primeira visita a um país muçulmano mal tinha começado e os furos à pequena bolha do Lisboeta que nunca viveu noutro sítio, começavam a desembaciar-me a vista.

O Islamismo faz-se sentir em quase todos os aspetos deste país que, apesar de ser considerado dos mais tolerantes (por exemplo, o casamento entre uma mulher muçulmana e um homem de outra religião é permitido) não deixa de ser menos preponderante no dia-a-dia. As mesquitas que se erguem em todos os cantos, o despertar às 5 da manhã com os altifalantes que chamam os mais devotos à oração, a ausência de carne de porco na culinária, os preços absurdos das bebidas alcoólicas (que dissuadem os mais atrevidos e refletem as normas mais liberais do país), as jelabas tradicionais vestidas por alguns homens e os lenços sobre as cabeças de muitas mulheres (tradição que não é aqui obrigatória) são só alguns dos costumes que se fazem notar em Marrocos.

Mas, não só de costumes vive um muçulmano. Os habitantes locais com quem tenho convivido e conversado ensinam-me que ser muçulmano não depende daquilo que aparece nas ruas, nos noticiários, das roupas que se vestem ou na alimentação que escolhem seguir. O islamismo, como qualquer outra religião, é definido para além do seu livro sagrado, para além dos seus monumentos e tradições milenares (e, por vezes, desatualizadas). É, sim, definido por quem o pratica. Os mais de 33 milhões de praticantes (só neste país) remetem para uma complexidade de crenças e níveis de devoção. Os que conheci ensinam-me que ser muçulmano não é assim tão diferente de ser cristão, ou de qualquer outra religião: ser muçulmano é praticar o bem, acima de tudo.

Crianças apanham boleia para um jogo de futebol nas montanhas do Atlas

Crianças apanham boleia para um jogo de futebol nas montanhas do Atlas

Trânsito sem regras: uma re-aprendizagem

Seja na cidade, no deserto, nas montanhas sinuosas do Atlas ou nas auto-estradas modernas só há uma regra pela qual os condutores exímios desta terra se regem: não existem regras. Ou melhor, existem, mas devem ser "desaprendidas", se aqui quisermos sobreviver. A faixa da esquerda não é para ultrapassar, as prioridades nas rotundas devem ser encaradas como uma leve sugestão e o número máximo de crianças autorizadas a ser carregadas no tejadilho de uma carrinha nas curvas apertadas de uma montanha é abstrato. A evolução rodoviária deste país do norte de África faz-se sentir a um ritmo acelerado. As auto-estradas são novas e o primeiro comboio de alta velocidade do continente nasceu aqui. Há uns anos atrás, a estrada que liga a minha casa ao aeroporto Mohammed V era feita de terra batida, hoje temos alcatrão. Já tive a oportunidade de conduzir algumas vezes por este país e fui obrigado a "desaprender" o que 30 horas do código da estrada portuguesa me ensinaram. Conduzir em Marrocos revelou-se uma aventura. Resta-me agora esperar que as normas que desrespeitei nos últimos meses não se manifestem quando regressar às terras lusitanas.

Mercado de rua em Essaouira

Mercado de rua em Essaouira

A arte de negociar (e como dizer que não)

É sabido que que parte do encanto e tradição de Marrocos está na arte de negociar (o chamado haggling em inglês) nos souks tradicionais. Antes de aqui chegar ouvia falar desta hábil tradição à qual me teria que acostumar, certo e sabido que esta era uma das minhas piores qualidades. Apesar da minha aparência maghrebiana que por vezes faz os comerciantes confundirem-me com um local, a minha dificuldade inicial com o francês e o darija (dialeto árabe que é aqui falado) rapidamente me traía. Tive que ser enganado algumas vezes, seja na compra de três maçãs ou a pedir indicações, dado que os locais esperam sempre uma moeda como forma de agradecimento.

A arte de negociar passa, não só pela compra e venda de bens, mas também pelas relações profissionais, e está entranhada (para o bem e para o mal) na genética desta cultura. Eu não era uma pessoa que, por exemplo, facilmente dizia “não”, mas foi algo que aprendi à força, a alternativa que me restava era voltar a casa com a carteira vazia. Não aceitar o primeiro preço que me ofereciam foi a primeira de muitas lições que aqui absorvi e que só seis meses de prática me podiam ensinar. O meu poder de negociação nasceu neste país e, com ele, a arte de dizer que não.

Sei que vou guardar esta e outras aprendizagens valiosas além-fronteiras, nas minhas relações profissionais e pessoais em Portugal ou em qualquer outro país. Quando aceitei o desafio do INOV Contacto não sabia o que iria acontecer, mas Marrocos acabou por ensinar-me mais do que eu esperava.

Imagem de destaque: Duas mulheres posam para a fotografia em Meknes. Cedida por Diogo Azevedo

[artigo escrito durante o período de estágio]

Created By: Diogo Alexandre Lopes de Azevedo
Published: 19-03-2020 16:05

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