César Augusto Costa Marques | C13
Consulgal
Tripoli | Libia
Há quatro meses atrás levantei-me euforicamente da minha cadeira festejando a ida para um pais que desconhecia onde ficava.
- “Mãe vou para a Líbia!”...
- “ohhh filho, mas não é nesse país que os homenzinhos arrebentão?” ...
- “Isso é no Líbano!” - Líbia é bem melhor e a empresa Consulgal, que nunca ouvi falar? Disseram-me que são muito fortes como consultores na área da construção.
Googlei o pais e eis que surgiram as primeiras palavras que me iriam perseguir todo o estágio. Mohamed Al-Gaddafi mais conhecido como “o Verdadeiro”, “o Grande Líder” ou mais recentemente “Rei dos Reis”. Comemora este Setembro os 40 anos da revolução. Graças a ele a gasolina é a 8 cêntimos, o pão praticamente de graça e existe uma segurança no pais que nunca vi em mais lado nenhum, nem mesmo na Póvoa da Lomba! Vive num forte armado, rodeado por seguranças que não aconselho a fotografar. Ele é facilmente reconhecido não só nas notas como em milhares de cartazes espalhados por todo o país, sendo o ícone do povo.
O povo Líbio não se considera Africano, mesmo que se explique “ Estás a ver, isto aqui é África… e o vosso país está aqui!”. Aliás eles até se revelam um pouco racistas quando falamos disso. Eles são Árabes e pertencem ao Magrebe, mais nada.
Apesar do pais ser 19 vezes maior que Portugal, em que 90% é deserto, e terem pouco mais que a metade da nossa população, muito deles, nem são Líbios. Há de tudo um pouco: Tunisinos, Egípcios, Palestinianos, Jordanos, Chadianos, Sudaneses, Índianos, etc.
A Líbia é para muitos o pais de oportunidades em que a crise passou ao lado e vêem aqui um futuro. São conhecidos em África por terem a maior reserva de petróleo do continente, a segunda maior reserva de gás e o maior lago de água doce subterrâneo.
Têm, a maior rede hidráulica subterrânea do mundo, o “ Great man-made river”, em construção desde da altura do embargo, que transportará água potável em tubos de 4 metros de diâmetro em dois grandes canais principais de Sul para Norte. Neste momento estão a construir um novo canal que os vai ligar à costa.
É um país muito concentrado na capital, Tripoli, uma cidade em desenvolvimento onde muito lentamente se vão notando novas construções e remodelações, mas mesmo assim longe de qualquer capital europeia. Ainda existem ruas não alcatroadas, edifícios destruídos e lixo por todos os cantos. As coisas não são estimadas e existe um desgaste muito grande nos edifícios, infra-estruturas e automóveis, devido ao clima. O trânsito é caótico, a sinalização serve mais para sugerir e não obrigar. Existe uma mistura muito grande entre peão e automóvel em que só o sexto sentido Líbio os consegue orientar.
O verde é utilizado em tudo. Começando na bandeira (que é a única monocromática do mundo), nos edifícios públicos, militares, religiosos, em publicidades e até no nome de praças e ruas. Porquê? Tudo por causa da religião, e ser muçulmano aqui não é fácil. Sê-lo não é ir à missa uma vez por semana, ser muçulmano é seguir religiosamente o Corão 365 dias por ano. É rezar 5 vezes por dia, desde o nascer do sol até o pôr-do-sol, mesmo que implique acordar às 4:30 da manhã com o chamamento! É não comer porco, apesar de todo o muçulmano já o provou “sem querer”; é não beber álcool, mas embriagam-se com o seu bagaço caseiro, a que chamam de “Porra”; é não poderem ter cães por ser uma animal sujo que dificulta a reza; e de nunca pensar para além de Alá. Porquê? Porque dizem que os ia confundir e que nunca chegariam a nenhuma conclusão.
Antes de chegar tinha uma ideia errada do estatuto da mulher, são elas que mandam em casa especialmente na cozinha, em que os maridos estão proibidos de entrar. E porque o lenço? É o factor religioso para se tornarem menos atraentes, e conseguem! Mas isto não implica evitar serem bombardeadas com piropos, perseguições e até apalpões nas ruas!
A mulher tem grandes dificuldades em sair e se divertir pois nesta cultura conservadora seria uma vergonha para a família uma rapariga andar aos beijos antes do casamento ou andar com o cabelo à mostra ou mesmo sair com amigos homens (apesar delas sempre conseguirem... às escondidas).
O verdadeiro Líbio é uma pessoa muito simpática e prestável apesar da sua cara de mal disposto, gosta do Europeu e tenta ser amigo... demasiado amigo até. Liga para passear, liga para perguntar se estamos a gostar e quando não ligamos ele liga a perguntar “why don´t you call me?!”.
O Líbio não trabalha, é um facto. Em restaurantes, hotéis, cafés, construção civil e limpezas são os estrangeiros que trabalham, ele tem o seu táxi, normalmente pouco asseado, mas ainda com os autocolantes e plásticos da compra; tem uma pequena loja com falsificações de telemóveis chineses ou roupa turca. Regra geral tem que ser um emprego que permite estar sentado, mexer no telemóvel e beber um café horrível!
Não podia acabar sem referir as hospedeiras do Euro-atlântico e dos capuchinos no diplomatic. De agradecer aos Portugueses da Odebrecht e aos amigos da Embaixada e AICEP. Dos bons tempos no Corinthias e dos taxistas que diariamente gritam Al Zzzz..awya! Da rua do mercado, dos chás com o Tarek, do “Libya good?” do Jamal e o “why you don’t call me” do Crazy Ramzi; do “you good, you good!” do Mohamed, do “this is confidencial” do Riadh; do “Só recordamos do que arriscamos” do Alex; à Cláudia Amaro, Eng Rui Martins, Eng Martins de Matos e o Paulo da Consulgal; do pessoal de casa, da Tati a tartaruga, da ChillyB, do apoio da minha família e amigos e claro das minhas 4 esposas.