Skip to main content
   
   
Go Search
Extranet InovContacto
  

Extranet InovContacto > Visão Contacto > Posts > Recursos Ambientais e Ordenamento Urbano em Angola
Recursos Ambientais e Ordenamento Urbano em Angola

Pedro Oliveira | C22 | Petrotec | Luanda, Angola

O movimento de concentração crescente da população nas grandes cidades e relativo abandono dos espaços rurais é hoje global e transversal à generalidade dos países. Angola não escapa a esta tendência, que tem na província e na cidade de Luanda uma clara expressão.

Sendo a mais pequena das dezoito províncias angolanas, Luanda é a mais populosa, com cerca de 7.000.000 de pessoas. Considerando apenas o período de 1993 a 2008, vemos que a sua área urbana cresceu cerca de 279%.

Nas projeções da ONU, o ritmo de crescimento demográfico coloca-a entre as dez cidades mundiais que, até 2030, deverão converter-se em megacidades (mais de 10.000.000 de habitantes) [1]. Esta continuada pressão urbana e demográfica, aliada a fragilidades estruturais e conjunturais de Angola, classificada ainda entre os países menos desenvolvidos pelas Nações Unidas, coloca desafios importantes em diversas frentes do ordenamento e gestão urbana.

O problema da gestão do lixo urbano tem sido uma das faces visíveis destes desafios, encontrando-se longe de uma solução satisfatória. No conjunto dos resíduos urbanos produzidos em Angola, um terço tem origem em Luanda. Apesar disso, para toda a província de Luanda existe um só aterro sanitário, o aterro de Munlevos.

A par de outros fatores, como as ineficiências da recolha, a distribuição limitada de contentores e a reduzida tradição de reciclagem de materiais, isto conduz à acumulação de lixo nas ruas e à proliferação de lixeiras a céu aberto. Em termos de saúde pública, trata-se de um sério problema, que potencia os vetores de transmissão de doenças como a cólera, a malária ou a febre-amarela, e o risco de contaminação por lixiviação dos solos e da água..

A questão do lixo urbano, sendo a mais aparente é, no entanto, apenas uma parte do problema do saneamento básico e ambiental que, como recentemente referia a Ministra do Ambiente de Angola, Paula Coelho [2], inclui também o abastecimento de água às populações. De facto, as infraestruturas de escoamento de águas residuais e pluviais em que Angola, e Luanda, no caso vertente, são ainda muito deficitárias.

De acordo com o último Censo Geral da População e Habitação de Angola [3], só 47% dos agregados familiares da província de Luanda têm acesso a fontes apropriadas de água para consumo. Largos setores da população dependem da água retirada de poços, muitas vezes imprópria para consumo por falta de tratamento adequado.

Dois outros aspetos infraestruturais, com impacto no quotidiano de Luanda, são as insuficiências da rede de distribuição elétrica e da rede viária e de transportes. Apenas 68% dos residentes na zona urbana da província de Luanda tinham acesso a eletricidade da rede por ocasião do censo de 2014. Por outro lado, os cortes de energia são frequentes e os grandes edifícios estão geralmente aprovisionados com um gerador, de modo a suprir as fragilidades da rede elétrica. Estradas sem manutenção, a quase ausência de um sistema de transportes públicos e trânsito caótico constituem traços da vida da capital de Angola.

Apesar disso, a coordenação de um ambicioso Plano Diretor Geral Metropolitano de Luanda, a desenvolver em quinze anos, foi recentemente confiada pelo Presidente João Lourenço à atual Ministra do Ordenamento do Território e Habitação, contemplando, no âmbito de muitas outras medidas de gestão urbana, obras de recuperação em centenas de quilómetros de estradas, a implantação de um sistema de transporte ferroviário suburbano e a criação de corredores de trânsito reservados a transportes públicos [4].

Todos os problemas referidos se inscrevem no contexto geral de um crescimento desordenado do espaço urbano de Luanda ao longo de várias décadas.

O fluxo migratório de populações para Luanda, a mais industrializada e próspera das províncias angolanas, refletiu-se num crescimento acentuado dos bairros periféricos suburbanos denominados musseques, nos quais reside cerca de 80% da população.

A ocupação dos terrenos fez-se ao sabor da iniciativa individual, com construções adjacentes a rodovias ou linhas férreas, sob cabos de alta tensão ou sobre canalizações de água, com o único critério da proximidade à grande cidade.

A atração exercida por Luanda enquanto polo de desenvolvimento num país com uma das taxas de fertilidade mais altas do mundo (5,54 nascimentos por mulher) aponta para que o ritmo deste crescimento não abrande num horizonte de muitos anos.

Para a elevada taxa de natalidade contribuem a baixa adesão aos métodos contracetivos, associada a um sistema de saúde e de educação para a saúde muito incipiente, mas também aspetos culturais como a prática de ter filhos ainda muito jovem e a perspetiva de que os filhos constituem uma fonte de suporte e rendimento.

Duas dimensões que merecem igualmente referência são a política de habitação e a questão da segurança. A estrutura da habitação, no Censo de 2014, apontava para 58% dos residentes com casa própria, 34% em “casa cedida” e 7% em “casa ocupada ou cedida”. No entanto, a larga maioria destas habitações localiza-se nos musseques periféricos, constituindo parte do problema do crescimento desordenado da malha urbana. Algumas das soluções procuradas no passado têm merecido reservas, como a construção de cidades satélite, visando albergar grande número de habitantes em condições de urbanização planeada, com equipamentos e serviços públicos integrados.

A Nova Cidade de Kilamba, construída a cerca de 30 km de Luanda com o objetivo de alojar meio milhão de residentes é um exemplo dos problemas associados: construções de fraca qualidade a preços que se situam além das posses da maioria da população, resultaram num escasso povoamento e depreciação das propriedades de quem entretanto aí adquiriu habitação. O recém-aprovado Plano Diretor de Luanda prevê a construção de 1,4 milhões de casas em toda a província, orientado pelo princípio de devolver habitabilidade a Luanda e o inventário recentemente ordenado de edifícios degradados e/ou em risco de ruína [5] poderá vir a suportar a prazo políticas de reabilitação que favoreçam o acesso de um maior número de habitantes a zonas mais centrais de Luanda.

A questão da segurança em Luanda é mais crítica do que no resto do país. O desemprego, desocupação, pobreza e exclusão social estão na origem de uma forte incidência de delinquência juvenil, favorecida pelas condições de vida nos musseques da periferia.

A reduzida presença policial à noite contribui para aumentar a insegurança durante esse período. Apesar de não revestir os contornos que frequentemente são veiculados pelos órgãos de comunicação e redes sociais, a questão da segurança é algo a levar seriamente em conta.

A forte desigualdade que se faz sentir entre uma larga massa de população pobre e uma reduzida elite económica, empresarial e administrativa que concentra em si uma parte importante da riqueza (malgrado alguns sinais de consolidação de uma classe média) é visível também no acesso aos cuidados de saúde.

O sistema nacional de saúde é incipiente, tanto na cobertura do território, como na qualidade do serviço oferecido. Falta de hospitais e centros de saúde, degradação das infraestruturas, ruturas constantes no aprovisionamento de medicamentos e material médico, falta de médicos, são queixas frequentes.

Os hospitais públicos estão sobrelotados e a maioria da população não tem possibilidade de pagar tratamentos em clínicas privadas que, entretanto, cresceram em número em Luanda e oferecem em geral mais qualidade.

Um obstáculo importante à resolução dos problemas mencionados, é o da forte presença de interesses e lobbies económicos que encontram campo fértil em práticas toleradas de influência e corrupção a diferentes níveis da administração e da decisão política, um problema que o atual presidente João Lourenço elegeu como uma das prioridades do seu consulado, proclamando recentemente em Bruxelas uma “cruzada contra a corrupção e a impunidade” [6].

Apesar da magnitude dos desafios, deve notar-se que há claros sinais de vontade política para os resolver, diagnósticos tecnicamente fundamentados, estratégias de resolução apontadas e passos positivos já acumulados.

A questão urgente do tratamento dos lixos é um exemplo, verificando-se já um começo, ainda que embrionário, da separação do lixo orgânico e inorgânico, da valorização económica da reciclagem e da identificação de segmentos particulares como o do lixo eletrónico (no âmbito do qual algumas empresas privadas exercem já atividade), para além da construção planeada de novos aterros e do reforço da capacidade de incineração de lixos hospitalares.

Podem também reconhecer-se sinais de movimentos espontâneos da sociedade civil, necessariamente limitados no seu alcance por uma taxa de analfabetismo que ronda os 20% e uma escassa tradição de intervenção cívica organizada.

O tema do ambiente fornece uma ilustração, podendo qualquer observador atento dar-se conta da existência de algumas associações ambientalistas não-governamentais, que articulam a preocupação da gestão sustentável dos resíduos urbanos com outras, como a da manutenção da biodiversidade, a criação de espaços verdes ou a atenção às alterações climáticas.

O conjunto dos problemas de saneamento, infraestruturas e desenvolvimento sustentável que se colocam a Luanda (e a Angola) constitui um potencial importante para a atividade de empresas, angolanas ou outras, nomeadamente portuguesas, apostadas em desenvolver áreas de negócio com um cunho de responsabilidade social e em alinhamento com os objetivos estratégicos do Governo e/ou das estruturas provinciais e municipais.

Dadas as diferentes escalas de abordagem que estes problemas podem suscitar, o perfil de atividade empresarial requerido parece compatível, não apenas com o envolvimento de grandes empresas, mas igualmente o de empresas de pequena e média dimensão com nichos de negócio específicos.

Para terminar com uma nota pessoal, gostaria de dizer que a minha curta experiência em Angola tem sido profundamente positiva. A questão da segurança foi algo para o qual que fui repetidamente alertado antes da minha partida. Constato, no entanto, que não impediu, até hoje, um quotidiano tranquilo, feito de um agradável equilíbrio entre o trabalho e a descontração.

Acredito que este não seja o primeiro destino para quem busque comodidade e estabilidade acima de tudo. Da minha experiência, contudo, e atendendo também à minha área de interesse e formação (Geologia), é um local desafiante e motivante para trabalhar e viver com os meus 25 anos.

Legenda da Imagem de destaque: Os rapazes locais apanharam boleia connosco durante um serviço na Ilha do Mussulo.

Fontes:

[1] United Nations-Economic & Social Affairs (Data Bookelet). The World’s Cities in 2016.

[2] http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/luanda_tem_de_aumentar_espacos_verdes

[3] http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2016/8/38/Angola-Luanda-tem-945-386-habitantes-dados-definitivos-Censo,c81664fd-5279-4051-8eb3-ca0653524f71.html

[4] observador.pt/2018/04/05/angola-presidente-entrega-coordenacao-de-plano-diretor-de-luanda-a-ministra/

[5] https://observador.pt/2018/04/10/angola-ordenado-levantamento-aos-edificios-publicos-e-privados-em-risco-de-ruina/

[6] https://observador.pt/2018/06/04/angola-em-bruxelas-com-cruzada-contra-corrupcao-para-atrair-investimento/

Created By: Pedro Ferreira da Mota Mónica de Oliveira
Published: 08-02-2019 12:08

Comments

There are no comments yet for this post.

 ‭(Hidden)‬ Content Editor Web Part ‭[2]‬

Visão Contacto