Passaram quase 3 meses desde que as nossas vidas enfrentaram uma reviravolta. Durante a noite acordámos para uma realidade em que só existia o presente. Os nossos planos para o futuro passaram para segundo plano, esmagados pelos acontecimentos. Confinados aos nossos lares, vimo-nos forçados a cancelar ou, na melhor das hipóteses, a adiar as férias e outras experiências.
No entanto, depois dos momentos mais difíceis, o desejo de voltar à normalidade - a "nova normalidade" - foi substituído por um desejo de recuperar as nossas ilusões, conscientes de que as coisas nunca mais serão as mesmas. Poderemos viajar, embora subsistam dúvidas quanto à forma como o faremos.
Não sabemos muito, ainda. Porém é praticamente garantido que optaremos pela proximidade e pelas viagens nos nossos próprios meios de deslocação - em detrimento dos transportes coletivos, o que garante a distância social, fugindo do turismo de massas e deixando as grandes viagens para tempos vindouros. Surge assim o “oásis no meio do deserto” - o turismo rural e de natureza - que, naturalmente, será um dos grandes beneficiários na era pós-Covid-19. A proximidade e a facilidade de acesso a estes destinos, que podem ser alcançados de automóvel, são os seus principais trunfos.
Caberá aos diversos stakeholders do setor promover o incentivo de medidas que privilegiem o acesso ao turismo rural, de habitação, de natureza, sustentável, percebendo quais as necessidades dos turistas, e assim conseguir adaptar os modelos de negócio de forma a recuperar, progressivamente, o abalo provocado pela pandemia.
Vejamos o exemplo do nosso Portugal, possuidor de excelentes recursos endógenos – nomeadamente no Interior, com zonas de enorme potencial, tal como o Douro e Trás-os-Montes, ricas em património, cultura, tradição e gastronomia, mas que vêm sendo algo negligenciadas no que concerne ao investimento e, até, à divulgação, no entanto, vinham evidenciando um crescimento gradual. Deveremos estar cientes de que as regiões turísticas do país estão todas a apostar no mercado interno - porque praticamente não há outro - contudo o mercado interno não é elástico e diminuirá, uma vez que muitas famílias enfrentaram perda de rendimentos e, portanto, o mercado interno não será suficiente.
Este modelo de turismo poderá não ser a salvação do setor, uma vez que imensas zonas turísticas dependem das receitas estrangeiras. Não obstante, poderá amortecer a queda, e é importantíssimo fomentar o acesso e a qualidade da experiência em regiões que começam, desde já, a registar um aumento da procura. Os destinos domésticos, no Interior, são capazes de oferecer toda a “nova normalidade” que o turista atual procura: territórios de baixa densidade populacional, segurança, tranquilidade e privacidade. Efetivamente, estes destinos poderão representar o “oásis” após o terrível crash sofrido pelo setor. Cabe a todos nós olhar para o que é nosso e aproveitar este súbito e novo ponto de partida.
A ciência vem-nos mostrando que existe uma estreita relação entre caos e ordem, de tal forma que um conduz ao outro, seguindo um ciclo interminável. A pandemia que enfrentamos perturbou subitamente a nossa ordem, os nossos hábitos e planos – que procuramos readaptar face às circunstâncias. De condicionados e apreensivos relativamente aos problemas do excesso de turismo, passámos à incerteza de quando e como podemos reiniciar um sistema que foi completamente desligado. Do branco para o preto, do dia para a noite, não há meias medidas.
É tempo de recomeçar, reaprender. Aproveitar uma crise sem precedentes para reinventar o paradigma do turismo. Tempo de acordar. Acordar e olhar para o Interior e os seus “oásis” infindamente menosprezados, que poderão alavancar enquanto destino sustentável, ecologicamente falando, evidentemente, mas também do ponto de vista económico.