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Quarentena em Cabo Verde - as ilhas por descobrir

Gabriela Ruiz | C24 | Nações Unidas, Cabo Verde

 

 

São 31 dias. 31 dias desde que estou em teletrabalho e a tentar desesperadamente encontrar UMA única e miserável posição confortável na minha cadeira, que teima em fazer-me duvidar, diariamente, sobre as minhas capacidades anatómicas de assento.  Tenho uma agradável vista para o mar, mas a modos que o Corona decidiu aldrabar isto tudo, pelo que, além de não me ser permitido ir molhar o meu belo pezinho, ir laurear a pevide pelo bonito Cabo Verde, também não está incluído no pacote “PANDEMIA 2020 – tussa uma vez, receba dois espirros”. 

 

A minha varanda em formato L, com 5 metros de comprimento, 3 metros de largura e 2,5 m de enviesamento, durante a semana faz de escritório e ao fim-de-semana tenta desempenhar a frustradíssima tarefa de praia, só para me iludir de que vou “enmorenecer” em posição de lagarto com os 5 milímetros de sol que esta amiga apanha, durante as 12h30 diárias de exposição ultravioleta que a terra da morabeza tão gentil e delicadamente me proporciona.  

 

Ao fim de uma semana, percebi rapidamente que padecia da síndrome do aspirador: aspiro tudo o que como, como se não houvesse amanhã e nunca estou 100% satisfeita com o que ingeri. Já para não falar na IMENSA falta de imaginação para fazer refeições 24 horas por dia, 7 dias por semana, que insiste em me perseguir. Nunca se está bem enquanto não se esgotar todo o stock da despensa, para disfarçar todo um distanciamento social, que até já de mim própria faço. Claro está que, para compensar, nunca fiz tanta maratona entre o triângulo das bermudas do meu T3: a cozinha, a varanda e o quarto, onde divago sobre o tipo de aspiração que farei num futuro próximo, o trabalho que tenho para fazer e o número de horas que vou dormir, enquanto acérrima quarentonista nestes tempos de clausura.

 

Trabalhar em teletrabalho permitiu-me adquirir todo um conjunto de competências tecnológicas, desde o manuseamento do Zoom, ao chat do Microsoft Teams, à presença assídua nos Webinars semanais da ONU, e até à utilização do Skype for business, que de business não tem nada.

 

Mas, acima de tudo, fez-me perceber que trabalhar na Organização das Nações Unidas e não ter a capacidade de dizimar por completo este vírus, apesar de todos os esforços, é uma verdadeira antítese. É ter a oportunidade de trabalhar numa organização onde acompanho cada passo a ser tomado ao minuto e viver com uma sensação de impotência constante.

 

Passei a ser uma fortíssima leitora do “Expresso das Ilhas” online, já que os dias passaram a ser sobre o número de novos casos que surgem na cidade da Praia, que hoje chamo de minha, apesar de só ter usufruído da sua inata Africanidade durante quatro semanas.

 

Cabo Verde é um país que em nada se parece com o nosso, em que não se é parte de nada, mas se faz parte de tudo. Viver em Cabo Verde é viver na incerteza do dia-a-dia, é não saber se vai haver água ou electricidade em casa, se o taxista vai cobrar mais 50 escudos do que o costume, se as vacas escanzeladas vêm fazer o seu típico passeio à cidade, se o nosso cartão multibanco INTERNACIONAL vai funcionar, ou contar pelos dedos das mãos quantos cães vadios há na rua, mas ter a certeza de que a vida continua com a sua calma Africana.

 

É desconfortável e irresistível ao mesmo tempo.

 

Exatamente um mês depois de ter sentido o calor seco e o silêncio ensurdecedor da noite Cabo-Verdiana, comecei a fazer da minha varanda a minha nova casa. Depois de ter ficado viciada no gelado de kamoka, de pisar a areia preta de Kebra Kanela e de dançar ao sabor da batida africana, o coronavírus obrigou-me a recolher e a ficar em casa por mim e pelos outros.

 

Viver assim é estar aqui e não estar: é ter todo um Cabo Verde para descobrir e não o poder fazer. É viver com medo da palavra “vírus” e combater algo que não se vê, mas que se sente.

 

Nota: artigo escrito no dia 27 de abril

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Created By: Isabel Azevedo
Published: 15-05-2020 11:30

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