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O contributo da OCDE para o combate à exploração sexual - Entrevista a Maria Fernandes, Conselheira Técnica na Delegação Permanente de Portugal junto da OCDE
Luís Dias | C23 | Delegação Permanente de Portugal junto da OCDE | Paris, França
Cotributo da OCDE contra a exploração sexual

Maria de Oliveira Fernandes é Conselheira Técnica para a área da Cooperação na Delegação Permanente de Portugal Junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Delegada Nacional no Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD). Acompanhou a elaboração e aprovação da “Recomendação para o Fim da Exploração, Abuso e Assédio Sexual na Cooperação para o Desenvolvimento e Assistência Humanitária” e nesta entrevista revela alguns dos obstáculos inerentes à negociação multilateral.

Qual foi o motivo que conduziu a OCDE a elaborar, neste momento, uma recomendação acerca desta problemática?

Iniciativas como esta são, em geral, motivadas por um conjunto de fatores. O problema do abuso e assédio sexual não é novo e não será fácil de combater, por diversas razões (económicas, sociais, culturais, etc.) mas o problema é indiscutivelmente grave e inaceitável e o escândalo envolvendo a ONG britânica OXFAM no Haiti, no início 2018, veio chamar a atenção desta realidade pouco falada e frequentemente esquecida.

A intervenção da OCDE resulta da vontade de uma série de atores. Desde logo do país mais diretamente visado pelo escândalo, o Reino Unido, que entendeu, e bem, que um assunto com esta complexidade e abrangência é transversal a todos os atores do desenvolvimento e não apenas a uma outra agência ou organização não governamental de cooperação para o desenvolvimento ou assistência humanitária, pelo que deveria ter uma abordagem multilateral. Depois, da vontade do Departamento de Cooperação para o Desenvolvimento do Secretariado da OCDE e do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da mesma organização (o qual reúne 30 doadores tradicionais), que entenderam ser esta uma matéria em que os doadores deviam assumir a liderança da mudança necessária, criando um instrumento que orientasse os diferentes atores na prevenção e correção de comportamentos abusivos.

A negociação e aprovação desta recomendação coincidiu com a adoção por parte de muitos doadores de medidas contra a exploração, abuso e assédio sexual e, também, de novos compromissos internacionais como o Pacto Voluntário das Nações Unidas e de uma nova abordagem do Secretário Geral das Nações Unidas nesta área.

Quem é que esta recomendação visa proteger e a quem cabe a responsabilidade de assegurar a sua implementação e a segurança das vítimas?

A recomendação visa proteger todas as potenciais vítimas deste tipo de comportamentos no âmbito da cooperação para o desenvolvimento e da assistência humanitária, seja no universo dos funcionários das organizações (públicas, privadas e/ou não governamentais) que gerem os programas de cooperação seja, em especial, entre as populações que são destinatárias destes programas nos países em desenvolvimento, dando especial atenção aos grupos mais vulneráveis a estes abusos em ambos os universos: mulheres, crianças e pessoas em risco de discriminação (por questões de deficiência, identidade de género, orientação sexual, raça, etnia, idade ou religião).

Os signatários desta recomendação são os países doadores e neste sentido eles são, em primeiro lugar, com as organizações multilaterais de que são parte, os primeiros “aliados” responsáveis pela implementação da recomendação e cumprimento das orientações nela prescritas.

Em que consiste a “Abordagem centrada nas vítimas”?

A abordagem centrada nas vítimas coloca as vítimas no centro da recomendação, assegurando que estas têm todas as condições necessárias para fazerem a queixa ou denúncia sem receio ou risco de poderem vir a ser sofrer represálias. No fundo, trata-se de assegurar a eficácia da própria recomendação, já que, por um lado, sem a denúncia ou queixa das vítimas, estes comportamentos (frequentemente crimes puníveis com penas de prisão) não são conhecidos e, por outro, os contextos de extrema vulnerabilidade das vítimas destes abusos prolongam-se no tempo, sendo necessário assegurar a sua proteção no curto, médio e longo prazos, sob pena de a vítima não ter condições para fazer a queixa ou, uma vez feita, sofrer consequências de o ter feito, prejudicando o objetivo último da recomendação.

Os países doadores que aprovaram esta recomendação têm uma presença verdadeiramente global ao nível das suas iniciativas de cooperação e assistência humanitária. Como se garante a adequação das políticas adotadas e a eficácia da sua implementação em diferentes contextos sociais, legais ou culturais?

As questões práticas são, naturalmente, as mais complexas e não têm uma resposta única, como sugere a pergunta ao referir-se aos contextos culturais específicos também referidos na recomendação. É esse trabalho mais fino que agora começa para os aderentes à recomendação. Os doadores têm que adaptar, rever ou criar procedimentos e regulamentos internos para a implementação da recomendação nas respetivas sedes, mas também nas suas agências locais e no relacionamento com os diferentes atores com quem contratam os programas e projetos de cooperação, assim como no relacionamento com fornecedores de bens e serviços no âmbito destes programas e projetos.

Como será possível assegurar a harmonização de práticas entre doadores?

Mais do que uma harmonização (como vimos, a eficácia da recomendação depende da capacidade de se adaptar e ajustar aos contextos locais, sejam eles legais ou culturais), é importante que os países partilhem experiências e práticas e assegurem, por essa via, o alcance dos objetivos da recomendação: a prevenção e o combate a situações de exploração, abuso e assédio sexual na cooperação para o desenvolvimento e assistência humanitária. A partilha é fundamental para ultrapassar obstáculos, construir soluções e alcançar resultados.

Esta partilha de experiências e peer learning deverá acontecer no âmbito do programa de trabalho da GENDERNET (a rede de peritos do CAD que se ocupa das questões relativas à promoção da igualdade de género e ao empoderamento das mulheres). O acompanhamento da implementação da recomendação por parte desta rede servirá também para que os doadores avaliem reciprocamente os esforços desenvolvidos por cada um no cumprimento da recomendação e para que definam mecanismos de avaliação e monitorização da pertinência das medidas preconizadas na recomendação, apreciando, à medida que esta vai sendo implementada, a oportunidade/necessidade da sua revisão e atualização.

Agora que o texto final se encontra aprovado, onde gostaria que tivesse sido possível ir mais longe?

A elaboração da recomendação enfrentou desde o início diversos obstáculos, desde logo ao nível dos conceitos (os conceitos de exploração ou assédio sexual não são universais), o que não só exigiu que se consensualizassem os conceitos, mas também interferiu com a delimitação do âmbito da recomendação, já que os conceitos mais controversos como o assédio sexual quase ficavam de fora da mesa de negociação. Mas exatamente porque estes conceitos não têm uma definição única ou comum a todas as culturas e países, era importante que a recomendação fosse tão abrangente quanto possível, o que, em larga medida, foi alcançado, com base em definições consensualizadas ao nível das Nações Unidas.

Outra área que foi controversa foi a da resposta ou das consequências dos comportamentos incorretos ou condenáveis. A sensibilidade desta matéria, que remete para os regimes legais em vigor em cada país ou jurisdição, fez com que esta fosse uma área onde não se tenha conseguido ir muito longe. Entre outros, talvez se pudesse ter tentado estabelecer uma ligação mais direta entre as medidas preconizadas ao nível da prevenção e denúncia e as consequências ou condenação de violações de direitos humanos ou abusos.

De qualquer forma, importa notar que a recomendação é um instrumento vivo e que a experiência da sua implementação deverá dar origem a revisões e atualizações num futuro próximo. O importante, por agora, foi dar o primeiro passo para podermos encetar um processo de monitorização do que se passa no dia a dia destas atividades.

Muito obrigado.

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Created By: Luís Carlos Marques Dias
Published: 26-08-2019 16:20

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