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Igualdade de Género, Proteção da Maternidade e da Infância no âmbito do Desenvolvimento em Moçambique

 
Clara Domingos | C21

Abreu Advogados | Maputo

Moçambique

 

 

“As mulheres são muito extensas. A gente viaja-lhes e perdemo-nos sempre”.

Mia Couto, in Cada Homem é uma Raça.

 

Conjugar África com direitos humanos constitui desde sempre um exercício complexo e, não raras vezes, arriscado.

Mas, ainda mais perigoso e injusto será partir para esta reflexão tomando por base premissas erradas. Desde logo, há que estar vigilante para não cair na tentação de medir a efetivação dos direitos humanos segundo o padrão ocidental.

Exige-se prudência na generalização da situação do respeito pela dignidade humana neste continente, sem levar em consideração as especificidades de cada país e região.

Este tem sido, de resto, o meu ponto de honra no decurso da experiência Inov Contacto C.21 em Moçambique, particularmente no que toca à minha avaliação pessoal da condição da mulher.

O meu estágio, num prestigiado escritório de advogados de Moçambique (desk de uma das maiores sociedades portuguesas de âmbito jurídico), situado num Business Centre de Maputo, permite-me cruzar o quadro legal protecional da condição da mulher neste Estado com a realidade dos dias corridos.

O primeiro reflexo da posição que a mulher ocupa no âmbito histórico e social moçambicano espelha-se no dia 7 de abril, Dia da Mulher Moçambicana, feriado nacional [1]. A celebração da vida de Josina Machel é uma evocação da coragem e resiliência de cada mulher moçambicana, cuja emancipação é representada por esta heroína do povo.  

No que diz respeito ao quadro legal existente, a relevância da figura feminina é igualmente evidenciada. A Constituição da República de Moçambique, de 2004, assegura no seu Artigo 36º a igualdade de género, estabelecendo que “o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural”. No sentido idêntico, o 122º da Lei Fundamental, inteiramente dedicado à Mulher, fixa que “o Estado promove, apoia e valoriza o desenvolvimento da mulher e incentiva o seu papel crescente na sociedade, em todas as esferas da atividade política, económica, social e cultural do país”, sublinhando logo de seguida a participação da mulher no caminho de luta percorrido no estabelecimento da democracia e da soberania do país [2].

No que concerne à produção legislativa ordinária, tem-se verificado uma evolução a vários níveis, concretizada desde logo na tipificação do crime de assédio sexual em 2015 [3]. Também a Lei do Trabalho dedica uma particular atenção às mulheres, estabelecendo na subsecção dedicada à proteção da maternidade e paternidade, uma espécie de discriminação positiva pelo reconhecimento de direitos especiais da mulher trabalhadora [4].

No meu ritmo quotidiano, a sociedade parece comportar-se em linha com os preceitos legalmente estabelecidos. É frequente cruzar-me e conviver com mulheres detentoras de altos níveis de escolaridade, que conciliam a vida familiar com a carreira profissional nas áreas financeira, jurídica ou comercial, enquadradas numa matriz religiosa heterogénea [5].

Ainda assim, importa ajustar a nossa visão ao prisma das diversas entidades que auxiliam o povo moçambicano a trilhar o caminho da igualdade de género e do reconhecimento da dignidade da mulher.

Fruto de um trabalho desenvolvido próximo das diferentes comunidades - nomeadamente as rurais - verificamos que nem sempre os dados fornecidos vão no sentido do que tenho vindo a explanar.

De facto, o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2015 classifica Moçambique em 135º lugar no Índice de Desigualdade de Género, num total de 155 países avaliados, o que aponta para a larga distância entre o status quo e a realidade desejada [6].

Por outro lado, alguns dados institucionais internos indicam a precariedade da mulher no acesso à saúde e educação nas províncias menos desenvolvidas, bem como a vulnerabilidade a que estas estão expostas, em virtude da prossecução de práticas ancestrais relativas à viuvez ou à suspeita da prática de feitiçaria.

Assim, afigura-se irrefutável que a igualdade de género neste país da África Austral caminhe a duas velocidades. Se as faixas geográficas, demográficas, sociais e económicas de Moçambique que me são dadas a conhecer no âmbito do INOV Contacto (e que, como é facilmente percetível, corresponde à esmagadora minoria da população) identifica a igualdade de género como pilar fundamental para o desenvolvimento do país e efetiva, paulatinamente, a dignidade da mulher, o certo é que, numa avaliação à escala nacional, as desigualdades são gritantes. Urge, portanto, que se trabalhe no acompanhamento das populações para que se alcance uma harmonização que redunde no efetivo respeito pela figura da mulher e na eficaz aplicação do quadro legal existente.


 

[1] Note-se que Moçambique assinala apenas 9 feriados nacionais anuais, contra, por exemplo, 14 em Portugal.

[2]  É de referir que este artigo se insere no capítulo dedicado à Organização Social e é precedido de disposições que vertem a importância da família (Artigo 119º), da maternidade e paternidade (Artigo 120º) e da infância (Artigo 121º) na estrutura social moçambicana.

[3] Cfr. Artigo 224º da Lei n.º 35/2014, de 31 de dezembro que aprova o Código Penal Moçambicano. Sublinhe-se que este tipo legal de crime não faz aceção de género, mas consideramo-lo aqui como um passo na proteção dos direitos da mulher por serem estas as principais vítimas deste crime.

[4] Cfr. Artigo 11º da Lei n.º 23/2007 de 1 de agosto.

[5] Segundo o relatório sobre liberdade religiosa no mundo de 2016, elaborado pela Fundação AIS, 29,4% dos moçambicanos professam religiões étnicas, enquanto 24% são católicos, 21% são protestantes e 17,5% muçulmanos.

[6] Cfr. Página 35 do Relatório Do Desenvolvimento Humano 2015, disponivel em http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr15_overview_pt.pdf

 

Created By: Clara Alexandra Pais Domingos
Published: 23-02-2018 17:42

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