Skip to main content
   
   
Go Search
Extranet InovContacto
  

Extranet InovContacto > Visão Contacto > Posts > "Por o apoio ser pouco, o sentido de responsabilidade é ainda maior"
"Por o apoio ser pouco, o sentido de responsabilidade é ainda maior"

Rita Carapinha| C24 | Get2C | Praia, Cabo Verde

Rita Carapinha no terraço

Nota: este artigo foi pedido à estagiária pela entidade de acolhimento, e publicado numa das publicações da GET2C.

Não tem sido uma experiência fácil aqui em Praia, e em parte nem se deve tanto à pandemia que, por enquanto, nos tem poupado a essas ansiedades. Afinal de contas estou em África, e tendo viajado por alguns sítios, este é substancialmente diferente. Acima de tudo, nada corre como nós esperamos. Aprendemos isso muito depressa. Cada coisa tem o seu tempo e nem tudo correu bem de início.É preciso baixar as nossas expectativas e esperar que as coisas se resolvam, com calma, com tempo.

Somos um grupo de cinco jovens, de todas as partes de Portugal e, durante sensivelmente uma semana, vivemos os cinco na mesma casa.

Hoje estou num apartamento com mais uma colega, a Mariana, numa rua (dantes) agitada da capital. O meu estágio consiste em estudar temas como a política climática internacional, nomeadamente de Cabo Verde, as implicações que o Acordo de Paris têm em Cabo Verde, assim como os principais temas relacionados com a mitigação e adaptação às alterações climáticas no país.

Grande parte das minhas funções passa por acompanhar a evolução dos mercados de carbono e a política climática dos PALOP. Algumas destas tarefas implicam uma presença e contacto direto com pessoas que trabalham nestas áreas. Durante as primeiras duas semanas fiz uma vida normal: apanhar um táxi de manhã para o local de trabalho, que é longe e o calor não perdoa, caminhar 15 minutos para almoçar com os meus colegas e voltar para a parte da tarde. No final do dia, apanhar outro táxi para casa.

Conheci aos poucos os meus colegas e o funcionamento do meu local de trabalho. Todos os dias foram uma descoberta, uma pessoa nova, de um lugar novo, uma comida diferente. Passear ao fim de semana, ir a restaurantes, era o normal para nós os cinco. Um normal que durou pouco. A partir de dia 16 de março, a minha rotina mudou por completo, tendo recebido indicação para ficar em casa, apesar de a situação não ser, nem de perto, nem de longe, semelhante à vivida por colegas meus na Europa (e ainda bem).

Já não há táxis, nem idas para o trabalho, nem passeios, nem visitas frequentes aos amigos. É incrível, e não no sentido positivo. Em duas semanas todas as minhas circunstâncias têm mudado. De três em três dias algo novo surge, e não quer dizer que seja aqui em Cabo Verde, ou comigo diretamente. Tem sido extremamente complicado conseguir separar a parte racional da emocional.

Estou longe de casa e decidi continuar a estar, mesmo com tudo a “desmoronar” à nossa volta. Ler e saber tudo o que se passa na Europa, e em Portugal parte-me o coração. E tenho frequentemente o coração nas mãos pelos meus familiares porque, muitos deles, são profissionais de saúde e estão lá a dar o corpo às balas. Os meus pais estão lá também, os dois, e fica difícil. O que poderá acontecer? Para além disso, tenho consciência do país onde estou a viver, o que não ajuda: primeiro, porque sei que o apoio à saúde é pouco, comparativamente e, segundo, precisamente pelo apoio ser pouco, o sentido de responsabilidade é ainda maior. Não posso permitir que algo me aconteça. A todo o custo não posso ficar contaminada, porque há o receio do “e depois?”, e porque não vivo sozinha.

Hoje, a rotina é bem diferente. Acordo e muitas vezes fico a pensar se tudo isto é verdade, se não é um sonho qualquer. Sei que não, e há que continuar. Por nós, por quem vive connosco, pelos que estão lá na frente. Pela nossa sanidade.

Só tenho saído para comprar comida e pouco mais. As idas ao supermercado surpreendem-me muito, porque já implementaram a regra de só haver um número reduzido de pessoas no mesmo espaço. Na última vez, esperei mais de trinta minutos para fazer as compras, e só há 6 casos confirmados de Covid-19.

O nível de compreensão destas pessoas é outro, eles sabem que se não cumprirem as regras, se não ficarem em casa, o vírus espalhar-se-á rapidamente, e será o “salve-se quem puder”. Tenho medo desse “se”. Todos os dias, gosto de saber o estado na nação, desta e das outras. Faz parte da minha rotina ler e informar-me. Saber como está a minha família é algo prioritário também. Tenho lido um dos livros que trouxe de Portugal, e tento manter a condição física no chão da cozinha ao final do dia, com a Mariana. Ajuda a manter o equilíbrio e a esquecer.

Muitas vezes vou para o terraço da casa (e que sorte ter um terraço!), e fico a olhar a rua, que até há dias estava cheia de gente. Agora passa um carro de vez em quando, e uma carrinha com megafones a dar informação à população, em crioulo. Faz-me lembrar a minha infância, quando era comum este tipo de situação, e rio-me com esperança que isto passe de leve aqui. Estas pessoas não merecem mais do que já enfrentam. Para além da seca extrema, falta de água potável, o vento seco do deserto que afeta a África Subsariana, se este inimigo invisível pega… Não sei o que será desta boa gente. Torço muito por eles.

A situação aqui é relativamente calma. Afinal só há 6 casos confirmados ao dia de hoje. Mas as medidas que se tomaram deixam muito aquém quaisquer outras que já foram tomadas noutros países. O Governo sabe que tudo isto não pode passar de poucos casos, e é absolutamente gratificante ver que foi feito algo a tempo. Esperamos nós.

Estamos em estado de emergência, os restaurantes e espaços noturnos fecharam há mais de uma semana e as praias estão interditas a nível nacional, entre outras medidas. Está tudo parado. Trabalhar na área da sustentabilidade com toda esta situação é paradoxal. A área exige que contacte com outras pessoas, que veja outras realidades, que tenha acesso a informação que não “vem nos livros”, como assistir a conferências ou, simplesmente, lidar com colegas. É estranho não poder sair de casa e ter de tentar conciliar com os temas que me levam a estar aqui. Há outras prioridades.

Por outro lado, sinto que estou, de certa forma, a contribuir para a sustentabilidade local porque, como deixei de poder trabalhar normalmente, não uso qualquer veículo motorizado, ao qual era obrigada. Todas as minhas poucas deslocações são feitas a pé. Para além disso, tenho tentado evitar comprar produtos importados e apoiar os produtores locais. Têm crescido os serviços de entrega em casa de produtos perecíveis como vegetais, leguminosas e frutas.

É uma experiência absolutamente extraordinária pela forma bizarra como transformou o meu dia-a-dia, as minhas expectativas e a minha perspetiva do país e da cultura. É complicado não sair de manhã e ver a confusão matinal da cidade. É irónico termos de nos distanciar dos nossos únicos amigos. Afinal, chegámos há tão pouco tempo…

A edição 24 do INOV Contacto, em 2020, não pode ser equiparada a qualquer outra edição. Não tenho dúvidas. Resta-me esperar, cumprir a minha parte e respirar um pouco dos 30ºC que estão lá fora, com esperança de, daqui a uns tempos, possa voltar a mergulhar e deixar-me ir na alegria das pessoas daqui que, aconteça o que acontecer, não mudam o seu sorriso.

Share on Facebook
Created By: Isabel Azevedo
Published: 05-05-2020 13:45

Comments

There are no comments yet for this post.

 ‭(Hidden)‬ Content Editor Web Part ‭[2]‬

Visão Contacto