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Análise de uma fotografia - instante capturado para a eternidade
Joana Costa | C21 | AIDGLOBAL | Chibuto, Moçambique

Balançando

Suponho que para cada estilo de vida exista um modelo de baloiço ou deverei antes dizer que cada modelo de baloiço reflete um estilo de vida?

Para os mais tradicionais, duas cordas e uma base de madeira; para os artistas, algo assimétrico e multifuncional; Para os consumistas, o último grito da moda, por sua vez os naturalistas optariam por algo singelo, de preferência produzido com materiais reciclados e suspenso em harmonia com a natureza. Seguem-se as cadeiras de baloiço para os mais sedentários e os parapentes para os mais radicais. Para terminar, não poderíamos esquecer os excêntricos, que não aceitaam nada inferior a um baloiço com capacidade mínima para 4 pessoas, que fosse embalado pelo ar gerado pela força de uma enorme cascata de águas cristalinas. Ah e já me estava a esquecer dos minimalistas… esses,  simplesmente desejavam algo que baloiçasse, fosse funcional e provocasse o prazer de baloiçar.

Cada baloiço tem o seu próprio balanço. O mesmo se passa com a vida.

Vamos agora idealizar 2 baloiços. E uma vez que falei na vida, vamos imaginar que esta apenas se resumia a dois hemisférios: norte e sul. Ambos os baloiços estão suspensos por uma pequena nuvem branca que se encontra no centro do planeta.

A nuvem representa os sonhos. Um baloiço, uma vida.

Imaginaremos agora o que sustém os sonhos dessas vidas. Um baloiço estará suspenso por duas correntes fortes e o outro somente por uma corda, aparentemente débil. Esta parte do baloiço representa(m) a(s) oportunidade(s), a(s) opção(ões).

O assento do baloiço. Equipararemos à base, suporte e apoio dessas vidas. A família onde nascemos, as possibilidades económicas de que dispomos, o contexto social, político e económico do país. A qualidade dos serviços de saúde, educação, segurança e tecnologia. O primeiro baloiço terá como base uma tábua larga, lisa e estará coberta com um apoio colorido, suave, concebido com os melhores e mais recentes materiais do mercado. Por sua vez, o segundo baloiço terá como base um tronco pequeno, estreito, irregular e sem qualquer intervenção estética ou melhoramento por parte do Homem.

Será fácil imaginar que baloiço estará num ambiente cinzento, artificial, edificado pelo Ser Humano, com altos níveis de poluição atmosférica, sonora, visual e luminosa. Em contrapartida, o outro estará em comunhão com a Natureza, onde o verde e o castanho predominam e o ar é límpido. As galinhas despertam-nos pela manhã, os pássaros acompanham-nos ao longo do dia e, à noite, a concentração de todas as constelações num pedaço pequeno de céu, deixa-nos deslumbrados.

Qual dos dois oferece maior estabilidade, segurança e conforto para baloiçar cada vez mais alto, até ser possível alcançar a tal nuvem que se chama Sonho? E em qual será mais fácil manter o equilíbrio, ter o controlo do ritmo e da trajetória? Qual terá, na prática, o caminho menos longo até à nuvem?

Ao que oferece maior estabilidade e conforto só é permitido oscilar para a frente e para trás, sem grandes hesitações. No outro é provável que a cada novo balanço desenhes uma nova trajetória, que rodes, rodopies e voltes a girar num único balanço. O desafio de manter o equilíbrio será maior e toda essa instabilidade provocar-te-á, inevitavelmente, uma maior agitação, emoção e um maior prazer. Sentir-te-ias mais vivo, alegre e jovial pelo menos durante o tempo em que seja possível baloiçar.

Porque se te encontras neste segundo baloiço, o mais provável é, entretanto, seres obrigado a assentar os pés no chão. Não terás tempo para  usufruíres, já que, antes de seres uma criança és um(a) pequeno(a) adulto(a) por isso, depois do regresso das aulas, terás de ajudar a tua mãe a cozinhar, cuidar dos teus irmãos, limpar a casa e entretanto, o sol põe-se e a escuridão instala-se até ao começo de um novo dia.

Quanto aos hemisférios… está bem fácil fazer o paralelismo, certo?

A vida pode ser diretamente comparada com  baloiços. Em ambos existem os momentos em que estás em cima e eufórico, outros em que te encontras em baixo e desolado. Momentos em que segues abrindo caminhos e outros, onde é necessário recuar para que o balanço seja mais potente. Momentos de adrenalina em contraste com os mais calmos. Momentos em que te sentes com liberdade e asas para voar - e isso por sua vez enche-te de confiança e outros que o teu corpo fica hirto e contraído com receio da dor da queda. Há alturas em que só queres estar sozinho e ser balançar ao sabor do vento, outras em que queres partilhar a felicidade e isso estará à distância de um empurrão do amigo.

Os dois amigos que aparecem na imagem são meus vizinhos. À semelhança de outras crianças, são inocentes, ternurentos, verdadeiros artistas. À semelhança de muitos adultos em Moçambique, para eles não existe o passado nem o futuro. O presente é o mais importante. porque o amanhã é uma incerteza segura.

Diz-se que a necessidade aguça o engenho. A carência em brinquedos é elevada. Existem, sim,  carrinhos moldados em arame, com rodas provenientes de latas de refrigerantes e um pau para o empurrar. Quando as crianças não são capazes de construir o seu próprio carrinho o lixo, que se encontra espalhado pelas ruas, é o suficiente para dar asas à imaginação e brincar às simulações.

Os baloiços são construídos pelas crianças mais velhas. Aquelas que sobem até ao topo de uma árvore com grande facilidade, seja para apanhar frutos ou pendurar baloiços.

Esta atitude prova que apesar dos recursos não serem de qualidade, quando a vontade assoma, as coisas acabam por acontecer.

É certo que disse que a corda que sustém o segundo baloiço era, aparentemente, débil. Na realidade é mesmo débil. Se a corda, antes de suster o baloiço, já teve inúmeras utilidades, foi encontrada no lixo e acrescentado o desgaste da chuva, do sol e da poeira, não demorará muito tempo até que se rompa. E quando se romper, a nuvem ficará mais pequena. Fica apenas um sonho, porque, o outro foi forçado a ser esquecido.

Tu continuas a balançar ou já ficaste cansado do baloiço “Sonho”? É que existe o baloiço “Vida” e nesse, todos nós, de uma forma ou de outra, vamos baloiçando, mas será que disfrutamos tanto quanto estas crianças?

Já dizia Fernando Pessoa: mais vale ser criança que querer compreender o mundo.

Created By: Joana Sofia Valente da Costa
Published: 16-03-2018 18:24

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